terça-feira, 10 de junho de 2014

ANALISANDO O FATOR HUMANO EM UMA AUDITORIA DE ACIDENTE AÉREO

ANALISANDO O FATOR HUMANO EM UMA AUDITORIA DE ACIDENTE AÉREO

 
 
ANALISANDO O FATOR HUMANO EM UMA AUDITORIA DE ACIDENTE AÉREO 
 
Recente Relatório de 5 especialistas sobre o acidente aéreo na rota Rio-Paris suscita algumas considerações visto que ele se constituiu um tipo especial de acidente de trabalho. Houve um primeiro Relatório, com um foco no sistema; e agora, um novo Relatório desenvolve um foco no fator humano. A avaliação combinada desses Relatórios pode fornecer informações importantes sobre procedimentos em casos de qualquer acidente, inclusive de trabalho.
O PRIMEIRO RELATÓRIO
As conclusões do primeiro relatório de especialistas indicam uma conjunção de fatores: falhas humanas, problemas técnicos, procedimentos equivocados e condições meteorológicas adversas. Com base nessas conclusões, Air France e Airbus foram processadas em 2011 por homicídios culposos. Observem que o conjunto de fatores mencionado é bastante comum em qualquer ambiente de trabalho tambem em terra e vale para a análise de qualquer grande acidente de trabalho, como por exemplo, em plataformas de petróleo ou na mineração. Ou seja, é preciso uma análise sistêmica envolvendo todos os fatores.
O NOVO RELATÓRIO
Agora, surge um novo Relatório concluindo que o acidente se deveu à perda de controle do avião causada pela reação inapropriada da tripulação após a ausência momentânea das indicações de velocidade e assim enfatizando o fator humano, o clássico “comportamento inseguro”. O Relatório apresentou uma lista de 14 fatores que contribuíram para a tragédia, por ordem de importância. Neste caso, ao invés de análise sistêmica, foi dada predominância ao fator humano como responsável pelo acidente.
Abaixo, um quadro com as principais conclusões desse 2º.  Relatório solicitado pelo Judiciário da França:

1. Reação inapropriada da tripulação depois da perda momentânea das indicações de velocidade de um Airbus
Contexto:  o avião dispõe de um equipamento para detectar a velocidade; este equipamento (pitot) sofreu um congelamento provocando uma desorientação da tripulação, que segundo o Relatório não adotou comportamentos compatíveis com a gravidade do problema.
2. As simulações apontaram que houve uma predominância de fatores humanos nas causas do acidente e nos fatores que contribuíram; observou-se a ausência de uma análise estruturada da pane,  má compreensão da situação e a divisão de tarefas na cabine que não foi aplicada de maneira rigorosa.
Contexto: 
ausência de instruções claras por parte de Air France, apesar de vários casos parecidos de congelamento das sondas Pitot e, portanto, de uma resposta insuficiente. Além disso, concluiu-se por uma formação inadequada dos pilotos na aplicação do procedimento necessário para lidar com o congelamento das sondas e com o comportamento do avião durante a perda das indicações de velocidade.

Abaixo, algumas observações complementares sobre o assunto e que envolve o comportamento de trabalhadores, seja em uma grande aeronave, seja com Máquinas e Equipamentos modernos que passam a fazer parte de determinados ambientes de trabalho
OS FATORES ERGONÔMICOS
Um grande problema invisível não só da aviação mas de equipamentos de alta complexidade atualmente é o pseudo-conforto promovido pelos modernos equipamentos eletrônicos que dispensam quase que 100% da habilidade do piloto e dos operadores. Vale lembrar uma frase dita por um piloto em uma palestra: "Nós não somos mais pilotos, somos gerenciadores de sistemas. Tudo está informatizado e pegar no manche virou mais um sonho". Não menosprezando a grande benção que a tecnologia nos proporciona a cada dia, mas muitos pilotos e operadores se acomodam naquela rotina de não mais pegar no manche do avião e só girar botões para configurar o piloto automático, e acabam perdendo a "mão" e a sensibilidade de voar. Assim, seja para pilotos ou para operadores de máquinas complexas, a confiança excessiva na tecnologia e a perda de avaliação do contexto em que se dá a operação pode ser o fator decisivo na segurança ou no acidente. Esse foi o fator decisivo para aquele fatídico acidente do Air France em junho de 2009.

Aquele voo passava pela ITCZ (Zona de Convergência Intertropical), em outras palavras, uma região ao redor da linha do equador de muita turbulência, nuvens, trovoadas, cristais de gelo e todo tipo de formação meteorológica desagradável para qualquer tipo de navegação, 24 horas por dia. Não culpando a ITCZ, afinal, todo dia centenas de aviões passam por ela ao longo do globo e dispõem de equipamentos que preveem com antecedência as temidas formações e informam os pilotos para tomar as devidas medidas preventivas. Assim, é muito raro os sistemas do avião congelarem, mas não impossível.

Qualquer avião deve ter pelo menos em seu painel o altímetro (informa a altitude), velocímetro (informa a velocidade) e o variômetro (indica a razão de subida) basicamente. Os três dependem exclusivamente do Tubo de Pitot, um dispositivo que fica no lado externo da aeronave e que recebe o impacto do vento (pressão dinâmica, que informa a velocidade) e a variação de pressão estática (que informa a altitude e razão de subida). Conhecido também como Sonda de Pitot, esse dispositivo é passivo de sofrer congelamento devido às baixas temperaturas das altas altitudes, e quando isso acontece, as três informações fundamentais de altitude, velocidade e razão de subida são afetadas drasticamente, ou seja, meio caminho para uma fatalidade.

O primeiro evento de perda temporária da indicação de velocidade ocorreu com um avião da Air France. A companhia relatou o problema à Airbus e pediu mais informações e soluções para esta causa. Também perguntou à Thales, fabricante do sensor, se poderia resolver tais problemas. A Airbus respondeu que a causa seria provavelmente a obstrução da sonda por acúmulos de cristais de gelo e que o sensor da Thales não estava projetado para evitar a ingestão de água durante fortes chuvas sendo improvável melhorar o desempenho num ambiente onde houvesse cristais de gelo. A conclusão da Airbus foi que não havia solução para eliminar totalmente o risco de congelamento da sonda e que providenciaria um procedimento a ser aplicado no caso de inconsistências nas leituras de velocidade. A Air France decidiu substituir imediatamente todos os sensores de toda sua frota de A330/340. A aeronave do acidente ainda estava equipada com os sensores originais. 

Associando a falsa zona de conforto citada no início do texto com o congelamento do Pitot, temos as respostas para o acidente da Air France. Pilotos acomodados com o piloto automático por muito tempo em suas carreiras, sem ter mais a noção de sensibilidade de velocidade ou altitude, não souberam perceber que o avião estava com baixa velocidade e entrando em estol, e confiaram cegamente no indicador de velocidade que aparentemente mostrava um valor normal quando nada mais era que o erro proveniente da sonda congelada. Não souberam tomar uma decisão apropriada e o piloto automático teria manobrado excessivamente o leme do avião afim de evitar as formações meteorológicas, causando sua ruptura, o que tornava o avião impraticável. A ruptura do leme causou também despressurização e quando os pilotos perceberam , era tarde demais para fazer algo. A morte já era certa.

Grandes acidentes de trabalho ocorrem em situações tão complexas, com fatores sistêmicos de difícil  avaliação, como de resto é o fator humano nessas situações. No final, é a tomada de decisão que pode evitar ou precipitar o pior.

Gabriel G Pessoa
estudante do curso de Ciências Aeronáuticas, PUC-Goiás.

Abaixo uma tabela desenvolvida por especialistas na análise de acidentes envolvendo as principais variáveis 

TABELA PARA ANÁLISE DE ACIDENTES

Segundo especialistas a análise de acidentes deve incluir o Estudo de 11 das condições listadas, com indicação se Humana (H), Tecnológica (T) ou Organizacional (O)

Disponibilidade de recursos humanos e técnicos
H, T
Treinamento e Experiência
H
Qualidade de comunicações
H, T
Interações homens-máquinas, incluindo concepções de interfaces e formas de suporte operacional
T
Acesso a procedimentos e métodos
H
Condições de Trabalho físicas e organizacionais
T, O
Número de metas e regras ou princípios (critérios) para resolução de conflitos
H, O
Tempo disponível (pressão de tempo)
H
Ritmo circadiano (privação de sono e assincronias que podem comprometer desempenhos
H
Qualidade de colaboração da equipe/tripulação
H
Qualidade e suporte da organização
O

Fonte: Hollnagel, citado por Idelberto Muniz de Almeida
A Equipe NRFACIL

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