Justiça Social
trabalho
escravo envolve produtores e empresas de todo tipo e todo lugar, em vários
cantos do Brasil. Casos de escravidão são noticiados em
jornais nacionais e internacionais; não passa semana e mês
sem novo caso... Você se lembra do caso Inocêncio de Oliveira?
E as denúncias publicadas em destaque no jornal americano New York
Times? A escravidão existe em quase todos os estados do Brasil.
Está no Estado do Mato Grosso, que tanto exporta quanto explora
mão-de-obra escrava.
Também no Pará, no Maranhão, em
Tocantins, assim como no Piauí, na Paraíba, em Rondônia,
na Bahia, e até em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Rio
Grande do Sul. Os campeões? Pará, Maranhão e Mato
Grosso. As vítimas da escravidão têm todas as idades:
trabalhadores adultos e idosos, jovens, mulheres, crianças, adolescentes.
Libertar escravos no Brasil do século 21 virou notícia comum...
115 anos após a abolição da escravatura!
Trabalho
escravo: uma armadilha bem planejada
Na ponta da linha, principalmente no Nordeste, há
muita pobreza; falta trabalho decente. No meio, há pensões
e dormitórios onde peões aguardam hipotético empregador.
O dono da pensão, a dona do hotelzinho já estão combinados
com os empreiteiros: lá vem o “gato”, que paga a conta
atrasada dos peões, faz promessas mirabolantes e leva o pessoal,
já endividado, para a empreitada. Às vezes, o sistema já
está integrado como, por exemplo, no caso do Sr. Salu, em Açailândia
– MA, que é, ao mesmo tempo, “gato” e dono do
Hotel Pioneiro.
“Os quarenta trabalhadores foram levados de Açailândia
até Paragominas e de lá para a fazenda Vitória. Eles
foram agenciados por um “gato” conhecido como Salu. Ele seria
o proprietário do Hotel Pioneiro, em Açailândia, onde
os trabalhadores eram alojados e contraíam as primeiras dívidas,
antes mesmo de chegar ao Pará. Além do hotel, Salu também
estaria usando casas alugadas para alojar os trabalhadores”. (O
Liberal, 01/07/03). O “gato” é a figura central do
trabalho escravo.
Atrás dele esconde-se o dono da fazenda. A região
de maior aliciamento é o nordeste: dois, em cada três escravos,
são do nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia,
Alagoas; ou, de lá, já migraram para o Pará, Tocantins
ou Mato Grosso. A região principal de destino é, atualmente,
a nova fronteira do desmatamento, no sul do Pará: Marabá,
Novo Repartimento e Terra do Meio (Iriri). A viagem começa de ônibus,
passa para o caminhão, até caminhão de gado, trator,
barco, a pé, e mesmo de “avionete”. Chegando, o peão
não tem mais saída.
Não tem volta. Está preso. Sem precisar
de capangas para vigiá-lo. A realidade é bem diferente do
prometido... Alojamento, não tem; sanitários, não
tem; alimentação, também não. Está
tudo por fazer. Aos poucos, o trabalhador sente na carne que tudo foi
mentira, que foi iludido. Começa a procurar um jeito de ir embora,
mas, naquela cantina onde compra sem saber do preço, cresceu uma
dívida que nem ele conhece. Tem aquela arma onipresente, ameaçadora,
dissuasiva, do capanga.
Até sua própria liberdade lhe vem sendo
descontada, dia após dia. No caderno de um “gato”,
encontrado na fazenda Carui, no Maranhão, está escrito em
todas as letras, entre arroz e sabão, entre café e querosene:
compra de liberdade. E, na hora de receber, o trabalhador descobre que
é ele que está devendo, é ele que paga para trabalhar.
Portanto, o trabalho escravo é promessa enganosa, é trabalho
forçado, em péssimas condições, sem receber...
é uma dívida crescente, são ameaças, o impedimento
de sair. Fugir?
Alguns poucos heróis resolvem fugir e conseguem,
enfrentando barreiras, pistoleiros, sede e fome. Um ou outro desses fugitivos
chega para informar e denunciar a situação de quem ficou
lá, preso.
Alguns
depoimentos
[...] os trabalhadores gostariam de sair da fazenda,
são impedidos porque, segundo o fazendeiro, ainda há dívida
dos trabalhadores para com ele.
[...] Na hora do acerto, o proprietário não
quis acertar com o “gato” e nem com os trabalhadores, mandando-os
procurar seus direitos... Foram soltos em Sedero II, onde estão
desde o último sábado, passando fome e sem alternativas
de receber seus direitos.
[...] No final do mês o “gato” desconta
os valores da alimentação que geralmente são cobrados
acima do valor de mercado, assim os trabalhadores sempre estão
em dívida; até o momento só receberam uma quantia
de R$ 40,00 em dinheiro.
[...] Que quando foi para a fazenda, foi com uma dívida
ao “gato”, que lhe pagou suas despesas de hospedagens, que
lá tem uma cantina onde os preços são bastante elevados...
o “gato” Salu é muito valente e tem sempre consigo
uma arma calibre 20, e um outro senhor conhecido por Benedito fica durante
todo o dia vigiando os trabalhadores.
(...) o nosso trabalho é de roçar o pasto
e bater veneno nos tocos. Vários de nós têm sentido
dor de cabeça e vômito por causa do veneno que é muito
forte... O capataz nos fala que o veneno não faz mal. Nós
precisamos e queremos trabalhar, mas estamos com medo de adoecer devido
ao veneno. Por isso, queremos sair da fazenda recebendo os nossos direitos
e estamos com medo que a fazenda não vai acertar corretamente e
nem nos deixar sair antes de 3 meses.
[...] Estamos arranchados em barracos de lona preta com
lama dentro porque fica perto de uma represa, onde os gados bebem e nós
também usamos essa mesma água pra tudo. A alimentação,
além de ser só arroz e feijão, ainda é pouca;
no nosso barraco é apenas 1 kg de feijão para 16 trabalhadores.
Em
9 anos, 10.700 escravos libertados pelo Grupo Móvel (GM):
um combate inútil?
Para apurar as denúncias, o Governo criou, em
1995, o Grupo Móvel de Fiscalização. Suas características
lhe garantem independência, isenção, qualificação.
Seus membros são voluntários. Reúne voluntários
entre fiscais do trabalho, policiais federais, procuradores, fiscais do
Ibama, etc. Sua função é apurar as denúncias
e resgatar os trabalhadores do cativeiro. Opera em condições
difíceis, perigosas. Sempre “no limite”. Seus objetivos
são: libertar os trabalhadores, pagar-lhes o que lhes foi sonegado,
calcular valores a receber, pressionar o patrão a pagar na hora.
E, aproveitando, expedir a Carteira de Trabalho que, para muitos, é
o primeiro documento de identidade de sua vida, o primeiro sinal de reconquista
da cidadania.
Nota
triste
Chegando em casa, ou de volta à pensão,
o peão libertado está feliz da vida. Cheio da grana, faz
farra por duas noites... e, logo mais, volta para outra empreitada. É
que, sem alternativa à vítima, nem punição
aos escravizadores, a escravidão só tende a crescer, a explodir.
Onde? Principalmente na pecuária e no desmatamento que a precede.
Onde? Pela ordem: no Pará, no Mato Grosso, no Maranhão.
E, de forma mais esporádica, também em outros estados, onde
pode ser simplesmente desconhecida.
Por isso, apesar dessa aparente eficiência, verifica-se
a insuficiência de uma ação puramente fiscalizadora.
Tirar da escravidão não é erradicar o trabalho escravo
como sistema, alimentado, de forma complexa, por tantos fatores. A fraqueza
do combate ao trabalho escravo tem incentivado a ousadia dos infratores,
tais como: abandonar fiscais e peões no meio do mato, desafiar
publicamente as autoridades federais, mandar assaltar os carros da Polícia
Federal que apóia o Grupo Móvel (como ocorreu no ano passado!).
Ou publicar, no jornal local, aviso de abandono de emprego,
visando aqueles que fugiram da fazenda para denunciar a Carteira de Trabalho
nunca assinada, mas seqüestrada. (Fonte: relatórios de fiscalização
da Secretária da Inspeção do Trabalho (SIT) –
Grupo Móvel, 1996-2003)
No
âmago da questão: cobiça e impunidade...
A opção preferencial pelo agronegócio
vai continuar a ser paga com florestas... e trabalho escravo! (Marcelo
Leite, editor de Ciência da Folha de São Paulo, em 11.04.04).
Aqui vai um exemplo emblemático de impunidade: o Sr. Quagliato,
pecuarista no sul do Pará, dono de 13 fazendas e de 250.000 cabeças
de gado, líder mundial em questões de inseminação
artificial, já denunciado oito vezes por trabalho escravo, mais
a nona neste ano... e nunca condenado! Recente relatório de experts
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) constata
que, apesar de tantos peões resgatados nos últimos 7 anos
(mais de 5.000), não se tem registro de mais que duas condenações
penais de proprietários e quatro de empreiteiros.... E qual a condenação?
Entregar cestas básicas à vizinhança!
De
onde vem tamanha impunidade?
Muitas vezes, vem de juízes omissos no dever de
julgar com justiça os autores desses graves delitos, apesar das
provas apresentadas pelo Ministério Público do Trabalho.
Outras vezes, vem da Justiça do Trabalho que, até a criação
das Varas itinerantes, em 2002, esteve praticamente ausente no sul do
Pará. Resumindo a situação que tem prevalecido: à
justiça comum não interessa, à Justiça Federal
não compete, à Justiça do Trabalho? Não há
Justiça do Trabalho! Então, é fácil imaginar
o resultado...
Nada de estranho, portanto, neste ranking:
De 10 infratores reincidentes, identificados nas denúncias
colhidas nos primeiros 8 meses de 2002, um é reincidente pela décima
vez (Jairo Andrade), outro pela nona vez (Quagliato), outros pela sexta
ou sétima vez, chegando à média absurda de quase
cinco reincidências... sem processos. Por isso, é urgente
a mudança e muita coisa deve mudar ainda. Já existe amplo
consenso sobre as principais mudanças: competência federal,
pois o crime de escravidão fere direitos humanos fundamentais;
confisco da terra; multas reforçadas; interiorização
da Justiça do Trabalho; melhor conceituação legal
do trabalho escravo.
Avanços
A partir de 2002, a mobilização contra
o trabalho escravo aumentou bastante. E tem havido avanços concretos.
Já se constataram progressos na mobilização e articulação
das instituições competentes para o combate ao trabalho
escravo: Ministério Público do Trabalho, Ministério
Público Federal, Justiça do Trabalho, OIT, etc. Veja os
exemplos: Dezembro de 2002: o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região,
ao julgar um processo relativo a trabalho escravo, conclui, por unanimidade,
pela competência da Justiça Federal.
Com a decisão, ficou mantido o decreto de prisão
contra Joaquim Montes. O fazendeiro foi denunciado pelo Ministério
Público Federal pela prática de vários crimes, entre
eles formação de quadrilha, homicídio e submissão
de pessoas à condição análoga a de escravo.
Novembro de 2002: Juiz do Trabalho condenou ao pagamento de indenização
por danos coletivos. Dezembro de 2002: o Juiz do Trabalho decretou o bloqueio
das contas de fazendeiro que se negava a pagar os direitos dos trabalhadores....
O Juiz bloqueia conta de fazendeiro acusado no sul do
Pará e 95 trabalhadores foram libertados. Em 2003: foi planejada
uma ação mais integrada entre Grupo Móvel, Polícia
Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério
Público Federal. Doravante será possível ver a situação
in loco e tomar as previdências cabíveis. Leia as palavras
do Juiz Sérgio Polastro: “(...) Muitos trabalham doentes,
com malária, dengue e problemas renais. Alguns deles também
se acidentam em serviço.
Um trabalhador, em especial, chamou a atenção
pela gravidade do problema. Um pedaço de madeira atingiu seu olho
esquerdo. O “gato” não permitiu que ele procurasse
cuidados médicos. Como o inchaço do olho estava impedindo
o bom andamento do serviço, o trabalhador foi liberado. Hoje está
cego de forma irreversível, sem qualquer amparo previdenciário.
Somente quando chegamos aqui e olhamos nos olhos desses trabalhadores
e de suas famílias, que estão acostumados a sofrer as piores
humilhações sem reclamar, como se isso fizesse parte de
suas infelizes existências, é que compreendemos a real dimensão
e importância deste trabalho”.
As
soluções propostas
Em 2002, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e
o Conselho do Direito de Defesa da Pessoa Humana (CDDPH) elaboraram propostas
concretas para acabar com a escravidão.
1) soluções estruturais:
– agilizar políticas de geração
de emprego e renda, reforma agrária e qualificação,
especialmente nas regiões de origem;
– alertar e mobilizar os trabalhadores expostos
para se prevenirem e lutarem por terra e emprego.
2) ações imediatas:
– ampliar drasticamente a ação do
Grupo Móvel, contratar novos fiscais e integrar melhor os vários
componentes, para:
Há anos, a OIT vinha cobrando do Brasil alguma
solução. Mesmo enfrentando ameaças de morte, fiscais,
juízes, procuradores, agentes da CPT e do CDDPH assumiram a campanha
contra o trabalho escravo. O Brasil começa a acordar à vergonhosa
realidade do trabalho escravo.
Com
a palavra
Dom Tomás Balduíno Presidente da CPT – Comissão Pastoral da Terra
Em
27 de abril de 2004, Dom Balduíno foi convidado a depor sobre problemas
da terra no Brasil e deste depoimento salientamos os trechos mais importantes
oje
estou aqui na qualidade de bispo, presidente da Comissão Pastoral
da Terra, para dar testemunho do que vi e vivi durante estes 27 anos que
já se vão desde 1977. A CPT foi criada, em 1975, para tratar
dos problemas da Amazônia diante do avanço das grandes empresas
agropecuárias, incentivadas pela Sudam. A Igreja buscava diferentes
formas de atuação junto aos trabalhadores da terra, sobretudo,
os posseiros, índios e peões, para que eles pudessem melhor
defender seus direitos e se tornarem sujeitos e protagonistas de sua própria
história.
Logo se deu conta que, em todo o Brasil, os trabalhadores
e trabalhadoras da terra viviam graves situações de conflito,
estavam submetidos a diversas formas de repressão e, por isto,
a CPT estendeu sua ação para todos os lados, onde o clamor
dos pobres do campo se fazia ouvir. A violência, que saltava aos
olhos, começou a ser registrada sistematicamente já no final
dos anos 70. A CPT criou um Setor de Documentação encarregado
de recolher e organizar os dados dos conflitos contra os trabalhadores
e trabalhadoras na sua luta pela conquista da terra e para poderem resistir
e sobreviver na terra.
Desde 1985, estes dados começaram a ser publicados
anualmente em forma de cadernos e a CPT tornou-se a única entidade
a realizar tão ampla pesquisa da questão agrária
em escala nacional. Não venho aqui para apresentar os frios números
das estatísticas da violência. Há gente que pode fazer
isto com muito mais competência do que eu. Estou aqui, como pastor,
para, como disse antes, dar testemunho do que vi e vivi nestes anos. Para
falar das histórias de dor, sofrimento, angústia e desespero
de milhares e milhares de famílias na imensidão do território
nacional por causa da violência que sofreram.
Algumas perderam seus membros, parentes ou amigos. Outras
perderam tudo o que haviam conseguido construir ao longo de muitos anos.
A crueza dos números esconde e encobre a aflição
e os gritos de horror que a violência provocou. Aqui estou para
testemunhar também a determinação e a força
de vontade de centenas de milhares de brasileiros que lutam por dignidade
e justiça, determinação que os fez enfrentar um sem
número de obstáculos, afrontar pistoleiros e jagunços,
quando não, corruptas autoridades.
Venho, pois, testemunhar a alegria e a celebração
de muitas conquistas e vitórias, a cidadania que se forja nos inúmeros
acampamentos deste Brasil e que está fazendo germinar uma nova
consciência pátria”. A seguir, Dom Balduíno
enumera situações de violência que acontecem no campo,
registradas a partir da 1985: as numerosas mortes em todos estes anos,
entre as quais a do sindicalista Nativo da Natividade; a do padre Josimo
que, depois de anos de ameaças, foi assassinado em 10 de maio de
1986, no então estado de Goiás, hoje Tocantins; os massacres
de Corumbiara, quando centenas de famílias ocuparam a Fazenda Santa
Elina, na busca de um direito que a estrutura fundiária brasileira
sempre lhes negara.
Foram nove os trabalhadores mortos. Em 1996, houve o
massacre de Eldorado do Carajás, no Pará, com o número
de mortos ainda hoje indeterminado. O padre Francisco Cavazzoni, conhecido
como padre Chico, foi alvejado por dar apoio a posseiros e lavradores
pobres. Está completamente cego, mas continua a luta pelos direitos
dos pobres.
Dom Balduíno ainda cita as dificuldades
para se chegar à paz e à concórdia no campo e enumera
as seguintes causas:
– A ação do judiciário
contra os camponeses e a favor do latifúndio: “Preciso
testemunhar outra forma de violência, a do próprio Judiciário
que, para proteger o latifúndio agride os trabalhadores, massacra-os,
humilha-os e os deixa em situações de extrema dificuldade
e de miséria. O que estas agressões, entretanto, não
conseguem destruir são os sonhos e a esperança dos pobres
da terra”.
– Os assassinatos no campo, entre 1985
e 2003: “Um número que causa espanto: 1349 pessoas
assassinadas, em 1003 ocorrências diferentes. Mas o que mais causa
espanto é a impunidade dos crimes que se cometem contra os trabalhadores.
Só 75 destas 1003 ocorrências, até hoje, foram julgadas.
Nestes 75 julgamentos, 64 executores foram condenados e 44 absolvidos.
Já quando olhamos para o quadro dos mandantes, os números
são mais dramáticos. Só 15 mandantes condenados,
6 absolvidos. A impunidade se torna a grande incentivadora e promotora
dos crimes contra os trabalhadores do campo”.
– O tratamento desigual da justiça entre
donos e posseiros.
– A impunidade.
O
trabalho escravo
“Outra realidade que tenho acompanhado de perto
é com relação ao trabalho escravo. A CPT, durante
muitos anos, foi a instituição que quase solitariamente
veio denunciando, a cada ano, a ocorrência do trabalho escravo no
campo. Esta realidade, que hoje ganhou grande espaço na mídia
e está merecendo a atenção dos órgãos
do governo, por muito tempo teimou em não aparecer diante da opinião
pública.
(...) Meu companheiro e irmão, dom Pedro Casaldáliga,
bispo de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, foi um dos
primeiros a denunciar o que acontecia, já na década de 70,
nas novas frentes de expansão do capitalismo com os incentivos
fiscais da Sudam. A CPT é herdeira deste trabalho e, por sua atuação,
mereceu reconhecimento internacional”.
(...) “A partir de 1997, a CPT desencadeou uma
Campanha sistemática de Combate ao Trabalho Escravo. Essa Campanha
recolhe informações sobre as ocorrências de Trabalho
Escravo e as denúncias, e esclarece os trabalhadores sobre os riscos
que correm ao serem contratados, por meio dos chamados “gatos”,
para serviços sub-empreitados por empregadores inescrupulosos,
e sobre como devem agir caso venham a se encontrar em condições
de “escravidão”.
Apesar da intensificação do trabalho de
fiscalização do Grupo Móvel do Ministério
do Trabalho esta prática perdura, sobretudo, nas áreas onde
ainda acontece um desmatamento mais intenso, com destaque para os estados
do Pará e Mato Grosso. Estas denúncias têm acarretado
sérias ameaças de morte contra o trabalhador rural Jair
Matos, os agentes da CPT do Tocantins, Edmundo Rodrigues, Silvano Rezende
e Fr. Xavier Plassat. As ameaças atingiram também Dr. Mário
Lúcio de Avelar, Procurador da República em Palmas (TO),
e o Dr. Jorge Vieira, Juiz do Trabalho em Parauapebas (PA), por sua atuação
firme diante destes crimes.
A exploração da mão-de-obra em condições
análogas ao trabalho escravo envolve inclusive políticos,
como têm comprovado as ações de fiscalização
do Ministério do Trabalho, e a mídia tem noticiado. Os nomes
do deputado Inocêncio de Oliveira, do presidente da Assembléia
Legislativa do Rio de Janeiro, Jorge Picciani, e, neste ano, o do Senador
João Ribeiro aparecem como envolvidos nesta prática, flagrada
em suas propriedades. Por que será que o projeto de lei que prevê
o confisco das terras onde se flagre o trabalho escravo ainda encontra
fortes resistências aqui?” Entre outras causas que fomentam
o trabalho escravo, dom Balduíno cita a grilagem de terras, as
terras vendidas aos estrangeiros, a privatização das águas
e o agronegócio.
CONCLUSÃO
“Minha conclusão é de uma grande
esperança no futuro do nosso país a partir da caminhada
do povo da terra. Este tem sido o nosso aprendizado de CPT. Comparando
os agentes desta pastoral com os demais agentes de outras pastorais, sem
desmerecer destes, talvez nós sejamos o grupo mais motivado e com
mais visão de um horizonte positivo e de esperança para
o Brasil a partir do que constatamos entre os homens e mulheres da terra.
Vou repetir resumidamente aqui o que já tenho
dito em outros ambientes e o que aprendemos deste admirável povo.
É que a terra é mais do que terra. A terra não cai
jamais dos grandes e ricos para os pequenos e pobres. Nem do governo para
os sem-terra, como caiu o maná no deserto. A terra, que é
dom de Deus, é acima de tudo fruto de conquista e esta se dá
na luta.
(...) Terra não é apenas o pedaço
de chão da sobrevivência, ela é símbolo da
busca da Justiça e do Direito, ela é essencialmente o lugar
da gratuidade na igualdade de todos os comensais dos seus frutos, como
numa grande mesa da abundância. Terra é participação
política no caminho da verdadeira democracia e na busca inarredável
das mudanças que trazem realmente a libertação do
povo, a começar dos mais pobres. Terra é cidadania, é
dignidade. Terra é a partilha do chão para a partilha do
pão, na comunhão da festa, da dança, da beleza, da
Páscoa!”.
rabalho
infantil gera lucro pra quem explora, pobreza pra quem é explorado,
faz parte da cultura econômica brasileira e está diretamente
ligado ao trabalho escravo. A quem incomoda a luta contra o trabalho infantil?
Incomoda aos que se incomodam com a luta contra o trabalho escravo. Incomoda
aos que se incomodam com a luta contra o trabalho degradante. O combate
ao trabalho infantil incomoda a quem lucra com o trabalho infantil, a
quem lucra com o trabalho escravo e a quem lucra com o trabalho degradante.
A
quem incomoda a dignidade humana; a quem incomoda a beleza, a resistência,
a sensualidade, a honestidade, a capacidade de organização
do pobre; a quem incomoda a imagem bonita dos menos favorecidos? A quem
incomoda a denúncia das injustiças da pobreza? Incomoda
aos ricos e incomoda a uma parcela da classe média. Pra existir
um rico quantos pobres tem que existir? Me perguntou um dia um carvoeiro,
cansado de trabalhar, desde criança.
Ataliba dos Santos estava cansado de não assinar
a carteira, não estudar, cansado de nãos... E cansado de
não ter respostas. Enquanto fotografava pensava a quem interessa
o desequilíbrio social? No Brasil, o trabalho infantil não
é conseqüência da pobreza, mas sim instrumento financiador
dela. Empregar crianças significa lucro fácil. A exploração
infantil gera o desemprego dos pais, trabalho escravo, crianças
doentes, subnutridas, morando em precárias condições,
prejudicadas na sua capacidade intelectual e no seu direito à educação,
lesadas no seu direito ao lazer, ao carinho, à alegria; sem infância.
“A gente custa muito pra entender que nasceu pra
ser peixe de engordar gato que engorda rico e, em casa, a gente fabrica
com todo amor os próximos peixinhos. Pra fugir disso, botei todo
mundo pra estudar, mas sinto um aperto no peito porque sei que o ensino
é muito ruim. Filho de pobre, mesmo depois de estudar um, dois,
quatro anos, continua analfabeto. “As palavras de José dos
Santos, carvoeiro na região do serrado, em minas Gerais expressão
a luta para mudar uma realidade.
José dos Santos está tentando romper uma
corrente perversa que alimenta uma cadeia de trabalho degradante nas carvoarias
brasileiras, assim como nos sisais, nas fazendas, nos canaviais, nas pedreiras
e em vários setores do segmento rural que alimentam indústrias
urbanas. O trabalhador que vive em trabalho degradante ou análogo
a escravo, é, na sua imensa maioria, analfabeto, e foi explorado
como trabalhador infantil. Aconteceu assim com seus pais e seus avós.
O caminho normal é acontecer com os filhos e netos.
Infelizmente, ainda não existe no Brasil uma política
social que faça a associação entre trabalho infantil
e trabalho degradante, análogo a escravo ou escravo, de forma a
romper esse círculo. A realidade é que o trabalhador escravo
de hoje foi o trabalhador infantil de ontem. A realidade do trabalho nas
carvoarias brasileiras merece uma análise diferenciada. Muitas
vezes o trabalho não é considerado trabalho escravo, outras
vezes sim.
Porém, sempre é um trabalho extremamente
pesado e quase sempre, mesmo em casos de carteira assinada, um trabalho
degradante. Acaba com a saúde do trabalhador. Muitas vezes, olhar
uma carvoaria em pleno vapor é, do ponto de vista humanitário,
algo inaceitável.
Câmara
dos Deputados está prestes a votar uma das mais importantes Emendas
Constitucionais deste ano. A Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 438, que confisca a propriedade rural em que for encontrado trabalho
escravo, será fundamental para contribuir com a erradicação
desta prática no país. Milhares de brasileiros são
obrigados a trabalhar em condições desumanas, roubados de
sua dignidade e de sua liberdade, enquanto alguns poucos empresários
lucram com a exploração dessa mão-de-obra. Com isso,
cometem um crime contra os direitos humanos e, ao mesmo tempo, mancham
a imagem do Brasil no exterior. A Comissão Nacional para Erradicação
do Trabalho Escravo (CONATRAE) enumerou as mentiras mais contadas por
aqueles que não querem ver o problema resolvido e contou a verdade
por trás delas.
Mentiras:
Comentário
sobre algumas:
1) Mentira: Não existe trabalho escravo
no Brasil.
Verdade:
Infelizmente, existe. A assinatura da Lei Áurea, em 1888, representou
o fim do direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra, colocando
fim à possibilidade de possuir legalmente um escravo. No entanto,
persistem situações que mantêm o trabalhador sem possibilidade
de se desligar de seus patrões. Há fazendeiros que, para
realizar derrubadas de matas nativas para formação de pastos,
produzir carvão para a indústria siderúrgica, preparar
o solo para plantio de sementes, entre outras atividades agropecuárias,
contratam mão-de-obra utilizando os famigerados “gatos”.
Eles aliciam os trabalhadores, servindo de fachada para
que os fazendeiros não sejam responsabilizados pelo crime. Esses
“gatos” recrutam trabalhadores em regiões distantes
do local da prestação de serviços ou em pensões
localizadas nas cidades próximas. Na primeira abordagem, eles se
mostram pessoas extremamente agradáveis, portadores de excelentes
oportunidades de trabalho. Oferecem serviço em fazendas, com salário
alto e garantido, boas condições de alojamento e comida
farta.
Para seduzir o trabalhador, oferecem “adiantamentos”
para a família e garantia de transporte gratuito até o local
de trabalho. O transporte é realizado por ônibus em péssimas
condições de conservação ou por caminhões
improvisados sem qualquer segurança. Ao chegarem ao local de trabalho,
eles são surpreendidos com situações completamente
diferentes das prometidas. Para começar, o “gato” lhes
informa que já estão devendo.
O adiantamento, o transporte e as despesas com alimentação
na viagem já foram anotados no caderno de dívida do trabalhador
que ficará de posse do “gato”. Além disso, o
trabalhador percebe que o custo de todos os instrumentos que precisar
para o trabalho – foices, facões, motosserras, entre outros
– também serão anotados no caderno de dívidas,
bem como botas, luvas, chapéus e roupas.
Finalmente, despesas com os emporcalhados e improvisados
alojamentos e com a precária alimentação serão
anotados, tudo a preço muito acima dos praticados no comércio.
4) Mentira: A lei não explica detalhadamente
o que é trabalho escravo. Com isso, o empresário não
sabe o que é proibido fazer.
Verdade:
O artigo n.º 149 do Código Penal (que trata do crime do trabalho
escravo) existe desde o início do século passado. A legislação
trabalhista aplicada no meio rural é da década de 70 (lei
n.º 5.889). Portanto, tanto a existência do crime como a obrigação
de garantir os direitos trabalhistas não são coisas novas.
Os proprietários rurais que costumeiramente exploram o trabalho
escravo, na maioria das vezes, são pessoas instruídas que
vivem nos grandes centros urbanos do país, possuindo excelente
assessoria contábil e jurídica para suas fazendas e empresas.
Além disso, uma série de acordos e convenções
internacionais tratam da escravidão contemporânea. Por exemplo,
as convenções internacionais de 1926 e a de 1956, que proíbem
a servidão por dívida, entraram em vigor no Brasil em 1966.
Essas convenções estão incorporadas à legislação
nacional. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
trata do tema nas convenções número 29, de 1930,
e 105, de 1957. Há também a Declaração de
Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento,
de 1998.
De acordo com o Relatório Global da OIT de 2001,
as diversas modalidades de trabalho forçado no mundo têm
sempre em comum duas características: o uso da coação
e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo
resulta da soma do trabalho degradante com a privação de
liberdade. O trabalhador fica preso a uma dívida, tem seus documentos
retidos, é levado a um local isolado geograficamente que impede
o seu retorno para casa ou não pode sair de lá, impedido
por seguranças armados. A Organização utiliza, no
Brasil, o termo “trabalho escravo” em seus documentos.
5) Mentira: A culpa não é do fazendeiro
e sim de “gatos”, gerentes e prepostos. O empresário
não sabe dos fatos que ocorrem dentro de sua fazenda e, por isso,
não pode ser responsabilizado.
Verdade:
O empresário é o responsável legal por todas as relações
trabalhistas de seu negócio. A Constituição Federal
de 1988 condiciona a posse da propriedade rural ao cumprimento de sua
função social, sendo de obrigação de seu proprietário
tudo o que ocorrer nos domínios da fazenda. Por isso, o fazendeiro
tem o dever de acompanhar com freqüência a ação
dos funcionários que administram sua fazenda para verificar se
eles estão descumprindo alguma norma da legislação
trabalhista, além de orientá-los no sentido de contratar
trabalhadores de acordo com as normas estabelecidas pela Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT).
6) Mentira: A Justiça já tem muitos
instrumentos para combater o trabalho escravo; não é necessário
criar mais um.
Verdade:
Erra quem pensa que trabalho escravo é um problema apenas trabalhista.
Trabalho escravo é um crime de violação de direitos
humanos. Normalmente, quem se utiliza dessa prática também
é flagrado por outros crimes e contravenções. Dessa
forma, o trabalho escravo torna-se um tema transversal, que está
ligado a diversas áreas e por todas deve ser combatido. A própria
Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo
(Conatrae) é intersetorial, envolvendo diversas instituições
estatais e da sociedade civil.
Trabalho escravo também é um problema de
desrespeito aos direitos humanos (tortura, maus tratos), criminal (cerceamento
de liberdade, espancamentos, assassinatos) e previdenciário. Todos
sabem que a PEC, quando aprovada, não vai resolver sozinha o problema
do trabalho escravo. Para isso, é necessário também
gerar empregos, conceder crédito agrícola, melhorar as condições
de vida dos trabalhadores, atuando de forma preventiva nos locais de aliciamento
para que eles não precisem migrar em busca de um emprego em local
distante e desconhecido. Mas a nova lei vai se somar aos instrumentos
já existentes para erradicar o problema.
Emenda Constitucional
por Pedro Miskalo
A proposta
é louvável. Isto resolve?
Senado
Federal enviou recentemente à Câmara dos Deputados uma Proposta
de Emenda à Constituição para “dispor sobre
o confisco do imóvel rural em que for constatada a exploração
de trabalho escravo, revertendo a área para o assentamento dos
trabalhadores que estavam sendo explorados no local” (PEC 438/01).
O mesmo documento solicita o confisco de “todos os bens de valor
econômico apreendidos em decorrência da exploração
do trabalho escravo”.
E acrescenta:
“Em ambos os casos a expropriação
prescindirá de qualquer indenização ao expropriado”.
A proposta 438/01 foi aprovada, em 12 de maio, pela comissão especial
da Câmara dos Deputados. Não havia sido levada a plenário
quando este texto foi escrito. Mas os membros da comissão garantem
sua aprovação em plenário e sua posterior promulgação.
O presidente
do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Vantuil Abdala, que acompanhou
os trabalhos da comissão, afirmou:
“A aprovação da emenda é uma
demonstração que a sociedade está reagindo a esta
situação, dando um instrumento muito mais efetivo para o
Judiciário erradicar a prática do trabalho escravo”.
“Acabar
com a escravidão não basta;
é preciso destruir a obra da escravidão” (Joaquim Nabuco)
A abolição da escravidão no Brasil
aconteceu sem a democratização da terra e pouco ou nada
se fez para que a liberdade jurídica do escravo o conduzisse às
demais liberdades e conquistas da cidadania. Eis porque a discussão
é candente e o problema está longe de ser resolvido. Sua
abrangência é tão grande como extensas são
as fronteiras geográficas de nosso país. De fato, a exploração
do trabalho humano persiste, desde abafados centros fabris espalhados
pelas metrópoles, até os limites das fronteiras agrícolas,
onde as condições de vida são mais degradantes.
A servidão por dívida é a principal
forma de escravização dos trabalhadores. Nesse sistema,
os trabalhadores são ardilosamente levados a tomar empréstimos
para custear remédios, alimentação, transporte, habitação...
O débito é pago com longas jornadas de trabalho, mas nunca
suficientes para quitá-lo. Passam a ser, então, propriedade
perene do empregador, que os desumanizam e controlam seus movimentos.
A servidão
por dívida é uma praga difícil de ser arrancada em
nosso país devido a alguns agravantes que asseguram a impunidade:
o isolamento e as dificuldades de acesso às propriedades
rurais, a dispersão populacional, a pobreza crônica, a ausência
do Estado, o baixo nível de organização sindical,
o desemprego, a desinformação. A consciência da degradação
foi lentamente despertando e mobilizando as entidades que defendem os
direitos humanos, como, por exemplo, a Comissão Pastoral da Terra
e outras, criadas para sensibilizar e condenar o Estado brasileiro a indenizar
as vítimas da escravidão.
Quando o Governo se despertou para a gravidade do problema,
elaborou um Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo, buscando construir uma política pública permanente,
dedicada à repressão do trabalho escravo. Uma de suas metas
é a alteração da Constituição, cujas
lacunas favorecem a impunidade. A segunda abolição só
vai acontecer com a mobilização de todas as forças
sociais e políticas. Sem a união da sociedade inteira, os
indivíduos desumanos, muitas vezes na pele de produtores rurais,
continuarão a explorar a miséria alheia.
|
Visite
as outras páginas
[P.I.M.E.] [MUNDO e MISSÃO] [MISSÃO JOVEM] [P.I.M.E. - Missio] [Noticias] [Seminários] [Animação] [Biblioteca] [Links]
[P.I.M.E.] [MUNDO e MISSÃO] [MISSÃO JOVEM] [P.I.M.E. - Missio] [Noticias] [Seminários] [Animação] [Biblioteca] [Links]
Nenhum comentário:
Postar um comentário