OS DESAFIOS DE UMA NOVA NR PARA A
SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS
(imagem: Reporter Brasil)
SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS
(imagem: Reporter Brasil)
NOTÍCIA
A imprensa divulgou no final de
novembro que o setor de frigorífico terá uma norma específica para a segurança
e saúde de trabalhador a partir de 2013. Depois de dois anos em discussão, a
comissão tripartite formada pelo Ministério do Trabalho, representantes do
trabalhadores e empresas do setor aprovou a NR com as regras de trabalho nas
unidades de abate. A Nova NR está esperando a aprovação do ministro do
Trabalho.
Entre as principais medidas da NR
está o estabelecimento de pausas ergonômicas e de conforto térmico para os
trabalhadores que atuam em ambientes artificialmente frios. A publicação da
nova NR é iminente, e estamos atentos para a sua inserção digital no site
www.nrfacil.com.br
As empresas terão um ano para
realizar intervenções estruturais de mobiliário e equipamentos necessárias para
se adequarem a NR e dois anos para mudanças nas instalações físicas.
A questão que se coloca é a seguinte: essa NR vai conseguir reduzir os crescentes problemas que afetam os trabalhadores nos frigoríficos? Será que as empresas vão mesmo ficar mais “conscientizadas”? de outra forma, será que por exemplo, a NR do Trabalho em Altura está dando resultados? Vamos aguardar as próximas estatísticas.
O PROBLEMA
As atividades em frigoríficos aceleraram-se em função da crescente demanda mundial de alimentos que o Brasil tem produzido em escala tambem cada vez maior. O Brasil tornou-se o maior exportador global de frango e carne bovina e até 2020, segundo a expectativa do governo federal, mais de 45% desses dois mercados devem ser abastecidos pelos produtos beneficiados nos frigoríricos brasileiros.
Muitos desses frigoríricos se transformaram em gigantes no mercado mundial com dinheiro do governo via BNDES. Ou seja, o governo banca os investimentos, facilita os lucros e arca com os prejuízos dos acidentes e doenças. Será que uma NR vai mudar isso?
A aceleração do agronegócio reproduz-se nos ambientes de trabalho, implicando no agravamento de riscos típicos: exposição constante a facas, serras e outros instrumentos cortantes; realização de movimentos repetitivos que podem gerar graves lesões e doenças; pressão psicológica para dar conta do alucinado ritmo de produção; jornadas exaustivas até mesmo aos sábados; ambiente asfixiante e sob baixas temperaturas.
Não resta dúvida que os principais problemas resultam muito mais de distorções na ergonomia deste tipo de trabalho. Daí porque o debate da nova NR girou muito em torno das “pausas” e do “conforto térmico”.
A NR 17
(Ergonomia) regulamenta especificamente as questões de ergonomia, determina a
adoção de um regime de pausas “nas atividades que exijam sobrecarga muscular
estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e
inferiores” e faz referência à questão da temperatura. Além disso, o artigo
253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ordena a realização de intervalos
de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho no interior de câmaras
frigoríficas. São as chamadas “pausas para recuperação térmica”. Outra NR que
fala sobre o “frio” é a NR-15, em relação a pagamento de adicional. Ou
seja, já existe lei e norma que não estão sendo cumpridas, mas o Governo
insiste em criar mais NRs.
O
problema é que o cumprimento da NR-17 está condicionada à realização de
análises ergonômicas que nem sempre são feitas com o devido critério por parte
dos empregadores. Até porque as empresas temem queda em sua produtividade com a
concessão de pausas a seus funcionários. Uma nova NR não indica que as análise
ergonômicas vão ser incrementadas.
O ritmo
intenso e a elevada carga de movimentos repetitivos nos frigoríficos são
agravados por outro problema: as baixas temperaturas. Porém, algumas empresas
frigoríficas fazem uma leitura diferente do artigo 253 da CLT e entendem que
esse regime de intervalos aplica-se somente às chamadas “câmaras frigoríficas”
– onde as temperaturas são sempre negativas, para que se possa a congelar a
carne.
Na visão
do Ministério Público do Trabalho (MPT), as pausas valem para qualquer ambiente
“artificialmente frio” – como uma sala de desossa de frango, em que a
temperatura fica geralmente na casa de 10oC.
Mas
quando um problema vai se tornando insolúvel por conflitos de interesses com o
grande capital no nosso país, costumamos criar uma “comissão” ou então mais uma
“lei”, “regra” ou “norma”, geralmente por 2 razões: ou para adiar o problema ou
então para encontrar uma forma de não resolvê-lo, devido a esses conflitos. O
comportamento recorrente de criar comissões e leis acaba trazendo para todos
uma espécie de “conforto psicológico” para aliviar a pressão diante da
magnitude e inquietude trazidas pelo problema. Afinal, as doenças e acidentes
na área de frigoríficos chegaram a um nível alarmante, as demais NRs não estão
dando conta e nem as empresas se mexem. O Governo tambem não quer se mexer,
pois financia os empreendimentos e arrecada muito com eles. Tanto o Governo
como as empresas temem uma redução de lucros com qualquer legislação
restritiva.
Observa-se
que o discurso dos debates desemboca sempre na necessidade de “conscientizar as
empresas” para reprojetar as tarefas, introduzir pausas e reduzir o ritmo de
produção. Mas o mesmo discurso desse diagnóstico admite que as empresas são
refratárias a esse diagnóstico. Ora, empresas não se conscientizam, o princípio
da conscientização, sob um aspecto social, é muito mais uma tarefa do
“oprimido”.
De fato,
os “oprimidos” já se conscientizaram, desenvolvem pressões trabalhistas e
sindicais que acabam sendo respondidas pela promessa do Governo de mais uma NR.
Um documentário publicado no Reporter Brasil mostra claramente o conflito e a
sua insolubilidade. Ora, a experiência demonstra que NR não conscientiza
empresa, a maioria procura um jeito de escapar da legislação. Auditores Fiscais
e trabalhadores alegam que as empresas de frigoríficos quando são auditadas,
reduzem o ritmo de produção, contratam mais empresas e reduzem a velocidade das
esteiras, ou seja, enganam o governo. Quando a fiscalização acaba, volta tudo
ao que estava antes. Se o trabalhador começa a adoecer, elas mandam para o INSS
e contratam novos empregados, num odioso círculo vicioso. Ou seja, as empresas
burlam a própria fiscalização e o próprio Governo. De qualquer forma, se
as empresas forem obrigadas a pagar autos de infração, não há problema, elas já
são financiadas pelo BNDES e as multas acabam sendo pagas pelo consórcio
Estado-Empresas, melhor dizendo, pela Sociedade.
Portanto,
não se espere que as empresas “se conscientizem” de nada, a não ser que os seus
limites sejam impostos por algum tipo de custo ao seu principal interesse, que
é o lucro. Ou seja, não é o limite da lei, mas o peso pelo seu descumprimento.
Inexistindo um custo real e rigoroso para os entes sociais quanto aos seus atos
(doenças e acidentes) seja por prisão, multa, penhora ou confisco, não se
espere “conscientização” de ninguem. Veja que essas empresas tem uma
“conscientização” superior para negócios, montam sistemas de alta complexidade
tecnológica, tem uma “conscientização” magnífica para operar no mundo
globalizado. E porque não teriam a mesma competência para desenvolver
mecanismos de proteção aos trabalhadores?
As
reações à nova NR já aparecem, e os setores alegam que o setor avícola passa
por uma crise pela forte elevação de custos de produção e assim a nova
legislação traz inquietação para a empresas.
Ora, se
as CPIs nas instâncias superiores da legislação não dão em nada para investigar
e punir os crimes organizados, e dando um belo exemplo de como as leis são
fiscalizadas, porque uma legislação inferior vai influir em alguma coisa?
Portanto, é lamentável afirmar que o problema dos frigoríficos apresenta
características que dificilmente vão ser resolvidas por mais uma NR. E isto é
verificado pelos próprios técnicos do Governo. Veja abaixo, o que técnicos do
Ministério do Trabalho e da Previdência apontam como os principais nós críticos
da situação:
os
trabalhadores, legisladores e operadores jurídicos enfrentam um agronegócio
que exporta quase 20 bilhões sendo os maiores contribuintes e os que dão
maiores “retornos fiscais” ao Estado. Obrigar esse pessoal a agir conforme a
segurança e saúde dos trabalhadores é comprar uma briga com poderosos
|
na
Previdência, há um círculo vicioso, em que o trabalhador adoece e vai pro
INSSS, não consegue mais retornar para o trabalho; e as empresas vão
contratando outras. Como é a sociedade que paga, a empresa socializa os seus
prejuízos;
|
mesmo
que o Ministério do Trabalho, com seu baixo contingente de fiscais que
fiscalizam uma vez ou 2 vezes por ano e ainda assim lavrasse 50 autos de
infração em cada auditoria, iria dar um custo médio de 300mil; se a empresa
pagar a multa com desconto, vai dar uns 150 ou 200 mil, ou seja, uma migalha
em relação às cifras envolvidas no agronegócio, ou seja, a empresa não sofre
repressão suficiente para mudar sua voracidade de lucros ou tenha
sensibilidade para mudar um ritmo que precisar ser cada vez mais acelerado;
além disso, o custo para mudar os sistemas de trabalho seriam muito maiores;
|
alguem
pode dizer – tudo bem, mas e os custos de indenização quando o trabalhador
sofre uma incapacidade as vezes definitiva? Uma amostragem de dezenas de
processos oriundos dos sites dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de
três estados que concentram importantes indústrias do “complexo carnes”
(Goiás, Mato Grosso e Santa Catarina) revelou que as condenações impostas
pelo Poder Judiciário aos frigoríficos resultam em indenizações de valor
muito baixo que, em vez de inibir, acabam permitindo que novos acidentes
ocorram, sinalizando que o ilícito cometido dentro dos frigoríficos não é tão
grave e assim as empresas não se sentem preocupadas o suficiente ao ponto de
investir em prevenção de danos, acidentes e doenças ocupacionais. Seria esse
o cenário para uma “conscientização”?
|
ASPECTOS
TÉCNICOS
Considerando
que é o lucro que move o capital, e que essa história de responsabilidade
social se torna uma bandeira inócua quando se trata de grandes lucros no mundo
globalizado, veja como a situação foi ficando na área dos frigoríficos e
reflita se vc acha que uma nova NR vai mudar o quadro que se amplia em relação
aos frigoríficos:
ASPECTOS
ERGONÔMICOS:
REALIZAÇÃO
DE VARIOS CORTES QUE EXIGEM MOVIMENTOS SUCESSIVOS
|
18
MOVIMENTOS EM 15 SEGUNDOS
|
80 A
100 MOVIMENTOS POR MINUTO
(PADRÃO DE SEGURANÇA – 35 MOVIMENTOS POR MINUTO) |
FICAR
MUITO TEMPO EM PÉ, FICAR MUITO TEMPO SENTADO
|
Ou seja,
o ponto crítico é o respeito às pausas e o redesenho das plantas de
produção bem como a adoção de medidas de proteção para trabalhos sob risco
de baixas temperaturas, aspectos já previstos na NR-17. Verifica-se que são
medidas incompatíveis com a aceleração crescente dos ritmos, movimentos,
pressão de prazos e necessidade de altos lucros. Como o Estado é o mediador, a
ele caberia o arbitramento de punições mais rigorosas e não apenas multiplicar
leis com os mesmos custos para as empresas, para que se dê uma aparência de
mudança, mas que tudo continue na mesma.
RISCOS
NOS FRIGORÍRICOS
6 VEZES
MAIS QUEIMADURAS
|
MAIS DE
500% DE EXCESSO DE RISCOS
|
743% DE
EXCESSOS DE RISCOS PARA LESÕES NERVOSAS
|
2 VEZES
MAIS RISCOS PARA TRAUMATISMO DE CABEÇA
|
3 VEZES
MAIS RISCOS PARA TRAUMATISMOS DE ABDOME, MÃOS E BRAÇOS
|
QUASE 4
VEZES MAIS RISCOS DE DOENÇAS MENTAIS
|
HÁ UMA
VONTADE DELIBERADA DAS EMPRESAS EM NÃO PROTEGER
|
BURLAS
E FRAUDES NAS FISCALIZAÇÕES DO MINISTÉRIO DO TRABALHO
|
ACELERAÇÃO
DELIBERADA DOS RITMOS DO TRABALHO
|
O
STRESS DA COBRANÇA QUANDO HÁ VISITAS DE COMPRADORES EXTERNOS
|
NÃO HÁ
LIBERDADE PARA EXERCER SEQUER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS
|
FRIO
EXCESSIVO POTENCIALIZA LESÕES NERVOSAS ASSOCIADO A BAIXA PROTEÇÃO CONTRA O
FRIO
|
QUANDO
OS TRABALHADORES COMEÇAM A ADOECER, DEMISSÃO, E O CUSTOS DE INCAPACIDADE
RECAEM SOBRE A PREVIDENCIA, MELHOR DIZENDO O CUSTO É SOCIALIZADO.
|
NO
ABATE DE BOVINOS, OCORREM DUAS VEZES MAIS TRAUMATISMO DE CABEÇA E 3 VEZES
MAIS TRAUMATISMOS DE ABDOME, OMBRO E BRAÇO
|
NO
ABATE DE AVES A CHANCE DE UM TRANSTORNO DE HUMOR (DEPRESSÃO) É 3,41 VEZES
MAIOR
|
Baseada
nas informações reunidas para o documentário “Carne e Osso”, a ONG Repórter
Brasil publicou diversas reportagens especiais sobre a situação dos
trabalhadores do setor frigorífico no país. No “Moendo Gente”, o destaque
é para os riscos que os empregados correm e para a pouca iniciativa das
empresas em melhorar a situação. O documentário recebeu um dos maiores prêmios
para documentários na Alemanha.
Várias
empresas do ramo já sofrem interdições realizadas por Auditores-Fiscais do
Trabalho, ações judiciais e condenações. Porém, na visão da ONG Repórter Brasil, a indústria é resistente a mudanças que
beneficiem os empregados. Uma das reportagens ressalta que, aliado a isso, as
indenizações pagas por danos morais e materiais resultantes de ações movidas
pelos trabalhadores são muito baixas e não afetam o faturamento das empresas a
ponto de promoverem ações em prol da segurança e saúde no trabalho.
Portanto,
enquanto não estiver sinalizado que a penalidade pelo descumprimento de normas
seja de fato elevado, as empresas não vão se mexer. E isso não é só para esta
nova NR, mas para todas. Este blog já publicou vários artigos sobre o que
ocorre em outros países, quando multas por simples acidentes chegam a quase 1
milhão de dólares. Reveja o post “Lições de um
Acidente no Primeiro Dia de Trabalho” e constate a diferença de tratamento
da Justiça naquele e no nosso país. Em post recente, a multa por um acidente de
trabalho e ambiental nos Estados Unidos chegou a 4 bilhões.
Uma nova
NR para o setor frigorífico, sem uma contrapartida de pesadas multas pelo seu
descumprimento, e de respostas graves da Justiça do Trabalho quanto às doenças
e acidentes, não conseguirá reverter os custos sociais que se avolumam, não só
para frigoríficos, mas para acidentes com máquinas e no trabalho em altura,
cujas novas NRs não parecem ter mudado o quadro existente. Como ocorre com
algumas leis, normas e NRs, essa tambem pode acabar se tornando “letra morta”.
Veja mais
sobre o assunto no site moendogente.org.br. Assista a um trailer do vídeo do
Reporter Brasil sobre o trabalho nos frigoríricos, que foi premiado
internacionalmente:
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